segunda-feira, 2 de junho de 2008

Entrevista com Howard Zinn no jornal Valor Econômico


"A Guerra é Imoral e Ilegal"


Entrevista com Howard Zinn publicada no jornal Valor Econômico
Caderno Eu & Fim de Semana, dia 17 de março de 2006


Um dos maiores ícones de pensamento da esquerda norte-americana lança pela primeira vez um livro no Brasil: “Você Não Pode Ser Neutro Num Trem em Movimento: Uma História Pessoal dos Nossos Tempos” (L-Dopa, 263 páginas, R$ 36). O professor da Universidade de Boston lança ao mesmo tempo, nos Estados Unidos, “Iraque: A Lógica da Retirada”, emulando “Vietnã: A Lógica da Retirada”, bíblia do movimento pacifista, escrito por Zinn em 1967. Na entrevista a seguir ele critica a invasão do Iraque, que completa três anos no domingo, e diz que acredita em uma saída pacifista para a guerra.

-É possível comparar o clamor pela retirada de tropas do Vietnã e, agora, do Iraque?

-Eu vejo claramente a história se repetindo. Os americanos foram mais uma vez levados à guerra por conta das mentiras de Washington. Mas o povo está despertando gradualmente para o que aconteceu. Veja o crescimento fantástico do movimento pacifista. As pesquisas mostram que já há um entendimento de que a invasão do Iraque também é, essencialmente, um ato de agressão ilegal e imoral.

-Mas o que aconteceu com a esquerda americana? O filósofo francês Bernard-Henri Lévy diz que o maior problema da América não são os neo-conservadores e sim a indigência da esquerda...

-O Bernard está completamente equivocado! Aliás, ele tem apenas um conhecimento superficial sobre o que está acontecendo nos EUA. Existem muito mais movimentos progressistas espalhados pelo país hoje do que nos anos 60. O problema é que as ações mais localizadas não ganham destaque na imprensa.

-O senhor pode me dar um exemplo concreto desta omissão?

-Na semana passada 300 mil pessoas foram às ruas de Chicago se manifestar a favor dos imigrantes. A cobertura foi pífia. Pensemos no episódio Cindy Sheehan. Quando ela decidiu acampar na estrada próxima ao sítio de Bush, no Texas, centenas de eventos foram organizados em para apóia-la e pouco se falou a respeito. A esquerda americana não está unida em um grande movimento social, algo muito difícil em um país tão grande e com população tão espaçada. Mas ela está, sim, muito viva!

-O senhor acha que Sheehan esteve um passo à frente da imprensa americana, ao expor de maneira clara o desejo da maioria da população de uma retirada das tropas do Oriente Médio?

-Sim, mas a imprensa americana se portou de maneira vergonhosa desde os preparativos para a invasão até os dias de hoje. Mas eu não me surpreendo com isso. Historicamente, os grandes meios de comunicação americanos sempre se portaram de modo covarde quando se tratou de qualquer guerra comandada por Washington. Demorou mais de dois anos para que o primeiro jornal pedisse a retirada dos ‘marines’ do Sudeste Asiático. A imprensa ainda funciona como mera seguidora de tendências, ela não almeja participar da liderança de nenhum movimento social, um equívoco imperdoável. Ela só passou a condenar a guerra quando a opinião pública já tinha sido conquistada.

-Mas o senhor não concorda que os escândalos de Abu Ghraib e Guanánamo, envolvendo a tortura brutal de prisioneiros, chocou os americanos com uma intensidade menor do que a esperada?

-O problema aqui é mais grave. Muito por conta do trabalho mal-feito, incompleto, e dúbio da grande imprensa, o grande público entendeu a tortura como exceção e não praxe nas ações militares americanas em tempo de guerra. Mas a verdade é que é assim que nós tratamos nossos prisioneiros – torturando-os.

-O senhor escreve que o Império Americano está encontrando suas fronteiras definitivas no Oriente Médio e que não acredita em um aumento de influência de Washington na América Latina. O que o faz pensar desta maneira?

-A supremacia dos EUA na América Latina está próxima de seu fim. Ela ainda sobrevive em situações específicas, como na Colômbia, mas as correntes de independência nunca foram tão fortes. Pense na Venezuela e na Bolívia. Eu não vejo grande descontentamento popular com o Chávez. Aliás, ele parece ser muito querido na Venezuela. Ainda é muito cedo para falarmos sobre Morales, mas há uma semelhança importante: o fato de que o povo acredita ter tomado as rédeas do Estado. Eu acho que esta é a tendência que deve prevalecer na America Latina por um bom tempo.

-O senhor também escreve que os ataques às torres gêmeas, em 2001, marcam o início da dissolução do último império contemporâneo. Mas intelectuais, como o professor Samuel Huntington, enxergam um cenário distinto, com o atentado a Nova Iorque inaugurando a ‘batalha das civilizações’, opondo o mundo cristão a estados islâmicos fundamentalistas...

-Ora, mas o Huntington tem uma visão absolutamente romântica do mundo ocidental! A história dos países que criaram a chamada ‘civilização ocidental’ é uma história de escravidão, imperialismo e capitalismo selvagem, não a do liberalismo que ele tanto valoriza. Existem elementos progressistas e profundamente atrasados nas duas ‘civilizações’. O que é mais perigoso na tese de Huntington é que ela coloca um grupo de pessoas que professa determinada fé contra outros de uma forma absolutamente irracional. É uma tese irracional.

-O senhor tinha 20 anos quando lutou na Segunda Guerra. O senhor acredita que os EUA, um dia, serão um país pacifista?

-Sejamos francos: os EUA vive em estado contínuo de guerra desde Pearl Harbor. E meu país é o mais agressivo, o mais beligerante do globo. Eu acredito piamente que um dia os americanos vão se dar conta da imoralidade e da futilidade da guerra, mas seria de uma tolice imensa eu arriscar dizer quando isso vai acontecer. Aos 83 anos, sou consciente de que o futuro é imprevisível, que ele depende exclusivamente da ação do homem, e que nós ainda não mobilizamos esta energia para criar um mundo melhor.
(Eduardo Graça, de Nova York, para o Valor)

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