quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Obama: a diferença?


Barack Obama. Foto de Joe Crimmings Photography, FlickRParece que Barack Obama e John McCain estão a discutir em que guerra lutar. McCain diz: mantenhamos as tropas no Iraque até "ganharmos". Obama diz: retiremos algumas tropas (não todas) do Iraque e enviemo-las para combater no Afeganistão, para "ganharmos" aí.

Por Howard Zinn


Como sou alguém que lutou numa guerra (a Segunda Guerra Mundial) e desde então me oponho a ela, devo perguntar: os nossos líderes políticos enlouqueceram? Não aprenderam nada com a história recente? Não aprenderam que ninguém "ganha" numa guerra, mas que centenas de milhar de seres humanos morrem, quase todos civis, muitos deles crianças?

Por acaso "ganhámos" fazendo a guerra na Coreia? O resultado foi um ponto morto, que deixou as coisas como estavam antes: uma ditadura na Coreia do Sul, uma ditadura na Coreia do Norte, mas morreram mais de 2 milhões de pessoas, quase todas civis, lançámos napalm sobre crianças e 50 mil soldados dos EUA perderam a vida.

"Ganhámos" por acaso no Vietname? A resposta é óbvia. Fomos forçados a retirar, mas somente depois de morrerem 2 milhões de vietnamitas, de novo civis na sua maioria, deixamos outra vez crianças sem braços ou sem pernas ou queimadas, além de morrerem 58 mil soldados norte-americanos.

"Ganhámos" na primeira Guerra do Golfo? Na realidade não. É verdade que expulsámos Saddam Hussein do Kuwait, apenas com umas centenas de baixas norte-americanas, mas matámos dezenas de milhar de iraquianos nesse processo. E as consequências foram fatais para nós: o facto de Saddam continuar no poder levou-nos a pôr em prática sanções económicas que conduziram à morte de centenas de milhar de iraquianos (de acordo com funcionários das Nações Unidas) e levantaram o cenário de uma nova guerra.

No Afeganistão, declarámos "vitória" sobre os talibans, mas os talibans estão de regresso, os ataques aumentam e as nossas baixas no Afeganistão já excedem as do Iraque. Porque pensa Obama que se enviarmos mais tropas para o Afeganistão obteremos a "vitória"? E mesmo se assim fosse, no sentido militar imediato, quanto duraria isso e a que custo em vidas humanas de ambos os lados?

O recrudescimento dos combates no Afeganistão é um bom momento para reflectir sobre como começou o nosso envolvimento aí. Permitam-me dirigir algumas observações aos que dizem, como muitos outros, que atacar o Iraque foi errado, mas que atacar o Afeganistão foi correcto.

Regressemos ao 11 de Setembro. Uns sequestradores dirigem os aviões que têm em seu poder contra o Centro de Comercio Mundial e o Pentágono, e matam 3 mil pessoas. Um acto terrorista, indesculpável por qualquer código moral. A nação está enfurecida. O presidente Bush dá ordem de invadir e bombardear o Afeganistão e uma onda de aprovação percorre o público norte-americano tolhido de medo e raiva. Bush anuncia então a sua "guerra contra o terror".

Todos (excepto os terroristas) estamos contra o terrorismo. Deste modo, uma guerra contra o terrorismo soa bem. No calor dos acontecimentos, os norte-americanos não consideraram que não tínhamos sequer ideia de como fazer a guerra contra o terrorismo, e tão pouco Bush a tinha, pese às suas bravatas.

É verdade, aparentemente a Al Qaeda - um grupo de fanáticos, relativamente pequeno mas implacável - era o responsável. E havia evidências de que os seus líderes, Osama Bin Laden e outros, tinham a sua base no Afeganistão. Mas não sabíamos exactamente onde. Desta forma, invadimos e bombardeamos o país inteiro. Isso fez que muita gente se sentisse "justiceira": "Tínhamos de fazer alguma coisa", escutávamos as pessoas dizer.

Sim, tínhamos de fazer alguma coisa. Mas não sem pensar, não de forma irresponsável. Por acaso aprovaríamos que um chefe de polícia, sabendo que havia um criminoso acoitado em algum sítio dum bairro, ordenasse o bombardeamento de todo o bairro? Isto rapidamente deu origem a que o total de mortos civis no Afeganistão ultrapassasse os 3 milhares - excedendo o número de vítimas do 11 de Setembro. Numerosos afegãos tiveram de abandonar as suas casas e converteram-se em refugiados ambulantes.

Dois meses depois da invasão do Afeganistão, um repórter do Boston Globe descreveu uma criança de 10 anos que jazia num hospital: "Perdeu os olhos e as mãos devido a uma bomba que explodiu em sua casa logo a seguir à refeição dominical". O médico que o tratava disse: "Os Estados Unidos devem pensar que ele é o Osama. Mas ele não é o Osama, porque lhe fazem isto?"

Deveríamos perguntar aos candidatos presidenciais: a nossa guerra no Afeganistão, que ambos aprovam, põe fim ao terrorismo ou provoca-o? A guerra não é em si mesma terrorismo?

Poderia assumir-se, do que acima se disse, que não vejo diferença entre McCain e Obama, que os vejo como equivalentes. Não é assim. Há uma diferença, que não é suficientemente significativa para me dar confiança em Obama como presidente, mas é suficiente para votar por Obama na esperança de que derrote McCain.

Seja quem for o presidente, o factor crucial de uma mudança é que exista agitação suficiente num país a favor da mudança. Suponho que Obama pode ser mais sensível que McCain a essa agitação, dado que ela virá dos seus simpatizantes, dos entusiastas que mostraram a sua desilusão saindo à rua. Franklin D. Roosevelt não foi um radical, mas era mais sensível à crise económica do país e mais susceptível à pressão oriunda da esquerda do que Herbert Hoover.

Mesmo para os mais "puros" dos radicais, deve ser possível reconhecer as diferenças que podem significar a vida ou a morte de milhares. Em França, durante a guerra da Argélia, a eleição de De Gaulle - que não era de todo um anti-imperialista mas estava consciente do inevitável declinar dos impérios - foi significativa para pôr fim àquela prolongada e brutal ocupação.

Não tenho dúvida alguma de que o mais sábio, o mais confiável, o mais íntegro de todos os candidatos recentes é Ralph Nader. Mas penso que é um desperdício da sua força política, um acto insignificante, desgastá-lo na arena eleitoral, em que o resultado só pode ser visto como prova de debilidade. O seu poder, a sua inteligência, apoiam-se na mobilização das pessoas fora das urnas eleitorais.

Por isso, sim, votarei por Obama, porque o sistema político corrupto não me oferece outra opção, mas só por um momento: quando accionar o dispositivo apropriado na cabina de voto.

Antes e depois desse momento, quero usar toda a minha energia para fazer com que reconheça que deve desafiar os pensadores tradicionais e os interesses corporativos que o rodeiam, e prestar homenagem aos milhões de norte-americanos que querem uma mudança de verdade.

Uma clarificação final. As lições que retiro da História quanto à futilidade de "ganhar" não devem ser entendidas no sentido de que o que está mal na nossa política no Iraque é que não possamos "ganhar". Não é que não possamos ganhar. É que não deveríamos ganhar, porque não é o nosso país.

Howard Zinn é historiador, cientista político, crítico social, dramaturgo, socialista e activista norte-americano. O seu livro mais conhecido é "A História do Povo dos Estados Unidos". Autor de mais de 20 livros, é professor emérito de ciência política da Universidade de Bston.

Tradução (para castelhano) de Ramón Vera Herrera, do La Jornada . Tradução para português de José Pedro Fernandes

Retirado de The Progressive, Outubro de 2008. Reproduzido pelo La Jornada com consentimento expresso do autor.


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