sábado, 21 de março de 2009

Howard Zinn - entrevista (Goatmilk)

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Esta entrevista foi realizada por Wajahat Ali em 2008, antes da eleição de Barak Obama.

ALI: Suas experiências e atos de desobediência civil no Colégio de Spelman são, a esta altura, muito conhecidos. Entretanto, no século XXI, pode-se ver observar o corpo estudantil de muitos campi de faculdades liberais e ver que o protesto vivaz e a consciência foram substituídos pela apatia e o materialismo. Onde esse espírito de luta foi parar? Você se pronunciou contra o “desencorajamento” na fala de abertura do ano de 2005 na Universidade de Spelman – e quanto a agora?

ZINN: O que você descreve como a diferença entre os anos sessenta e agora nos campi é verdade, mas eu não iria longe demais com isso. Há grupos em campi por todo o país trabalhando contra a guerra, mas são pequenos até agora. Lembre-se, a escala do envolvimento no Vietnã era maior – 500 mil soldados contra 130 mil no Iraque. Após cinco anos de Vietnã havia 30 mil americanos mortos, ao passo que hoje temos 4 mil mortos. O alistamento obrigatório ameaçava os jovens, hoje não. Há maior controle pelo establishment da mídia hoje em dia, que não está mostrando os horrores infligidos no povo do Iraque assim como a mídia norte-americana começou a mostrar atrocidades como o massacre de My Lai. No caso do movimento contra a Guerra do Vietnã, houve a radicalização imediata da experiência do Movimento dos Direitos Civis pela igualdade racial, cuja energia e indignação levou adiante o movimento estudantil contra a Guerra do Vietnã. Nenhum influxo comparável existe hoje. E sim, há mais materialismo, mais insegurança econômica para os jovens que vão à universidade – custos enormes de taxas escolares pressionam os estudantes a se concentrarem só nos estudos e irem bem na escola.

ALI: Você esteve profundamente envolvido no Movimento dos Direitos Civis que lidou não apenas com igualdade racial, mas também um re-exame do política estrangeira dos Estados Unidos e da retirada da brutal Guerra do Vietnã. Aqui estamos em 2008 com uma ocupação aparentemente sem fim, e alguns diriam ilegal, do Iraque. “Racismo” emergiu como um tópico de contenda devido à candidatura para presidente de Obama e comentários controversos de seu reverendo. No entanto, a maioria diz que ele e outros candidatos “falam bonito” mas não estão dispostos a confrontar fundamentalmente e mudar os problemas de raça e política estrangeira. Como alguém que tem observado o clima sócio-político dos movimentos populares desde 1960, o que mudou (se algo mudou) em relação à equanimidade racial, e humanização de não-americanos, o “outro estrangeiro”?

ZINN: O Movimento dos Direitos Civis foi uma experiência educativa para muitos americanos. O resultado foi mais oportunidades para uma pequena porcentagem de negros, talvez 10% ou 20%, então, jovens negros indo à universidade e entrando em profissões. Uma maior consciência entre brancos – não todos, mas muitos – do racismo. Para a maioria dos negros, entretanto, ainda há pobreza e sofrimento. Os guetos ainda existem, e a proporção de negros na prisão ainda é muito maior do que a de brancos. Hoje, há menos racismo aberto, mas as injustiças econômicas criaram um “racismo institucional” que existe mesmo quando há negros em posições superiores, como Condoleeza Rice na administração Bush e Obama candidato a presidente.

Infelizmente, a maior consciência entre brancos sobre a igualdade dos negros não foi levada para as novas vítimas do racismo – muçulmanos e imigrantes. Não há equanimidade racial para esses grupos, que é enorme. Milhões de muçulmanos e um igual número de imigrantes que, legais ou ilegais, enfrentam a discriminação tanto legalmente por parte do governo quanto extra-legalmente por parte dos americanos brancos – e às vezes americanos negros e hispânicos. Os candidatos presidenciais democratas estão evitando esses assuntos para cultivar apoiar entre os americanos brancos.

Isso é vergonhoso, especialmente para Obama, que deveria usar sua experiência como negro para educar o público sobre discriminação e racismo. Ele é cauteloso em fazer afirmações fortes sobre esses assuntos e política estrangeira. Então, mantendo-se em linha com a tradição de cautela e timidez do Partido Democrata, ele adota posições levemente à esquerda dos Republicanos, mas muito aquém do que seria uma política esclarecida.

ALI: Você disse que o espírito democrático do povo americano é melhor representado quando pessoas protestam e expressam suas opiniões fora da Casa Branca. Como essa natureza de dissenso e protesto serve como o baluarte de uma democracia e uma sociedade civil saudável e funcionando? Muitos argumentariam que isso divide as coisas, ou não?

ZINN: Sim, dissenso e protesto dividem, mas de uma forma boa, porque representam de maneira acurada as divisões reais na sociedade. Essas divisões existem – os ricos, os pobres – se há dissenso ou não, mas quando há dissenso, há mudança. O dissenso tem a possibilidade não de acabar com a divisão na sociedade, mas mudar a realidade da divisão. Mudar a balança do poder em prol dos pobres e oprimidos.

ALI: Uma História do Povo dos Estados Unidos é considerado agora uma obra seminal, ensinada em colégios e universidades por todo o país. Por que você acha que a obra tem tal poder duradouro, tanta influência?

ZINN: Porque preenche uma necessidade, porque há um enorme vazio de verdade nos textos históricos tradicionais. E porque pessoas que conseguem alguma compreensão por si mesmas que há algo de errado na sociedade, ela buscam algo para sua nova consciência; seus novos sentimentos para serem representados por uma história mais honesta.

ALI: Votos de minorias, como hispânicos católicos, foram fundamentais para Bush em 2002, e alguns filhos de imigrantes tem uma raiva e um desdém virulentos contra imigrantes “ilegais”. Parece que muitas vozes marginalizadas esqueceram sua história e agora estão do lado daqueles que tencionam ativamente mantê-los ou às margens ou de alguma forma “oprimidos”. Como explicamos essa discrepância?

ZINN: Porque é do interesse de quem está no poder de dividir o resto da população para governá-los. Colocar os pobres contra a classe média, os brancos contra os negros, nativos contra imigrantes, cristãos contra outras religiões. Serve aos interesses do establishment manter as pessoas ignorantes de suas próprias histórias.

ALI: Muitos dizem que as corporações possuem a mídia americana. Qual é a expressão apropriada para o discurso democrático e disseminação de informação se de fato há um monopólio enviesado sobre a mídia?

ZINN: Como há o controle da mídia pelo poder corporativo, descobrir a verdade depende da mídia alternativa, tais como estações de rádio pequenas, redes como a Pacifica Radio, programas como Amy Goodman’s Democracy Now. Também, jornais alternativos, que existem por todo o país. Também, programas de TV a cabo, que não dependam de propagandas comerciais. E também a internet, que pode alcançar milhões de pessoas desviando da mídia convencional.

ALI: Algo irá mudar com relação à política estrangeira do EUA no Oriente Médio, especificamente na Palestina e em Israel caso os democratas ganhem em 2008?

ZINN: Os candidatos democratas, Clinton e Obama, não mostraram nenhum sinal de mudança fundamental da política de apoio a Israel. Não mostraram empatia com o sofrimento dos palestinos. Obama ocasionalmente se referiu à situação dos palestinos, mas à medida que a campanha tem prosseguido, ele tem enfatizado seu apoio a Israel. Então, uma mudança de política irá exigir mais pressão de outros países e mais educação do povo americano, que sabem agora muito pouco sobre o que está acontecendo com o povo palestino. Os americanos são naturalmente simpáticos àqueles que vêem como sendo oprimidos, mas têm pouca informação por parte de seus líderes políticos ou da mídia, que poderiam lhe dar uma imagem realista do sofrimento dos palestinos sob a Ocupação.

ALI: Como “a esquerda” pode reconciliar sua suposta indiferença à religião com o crescente setor “religioso” da sociedade se juntando a partidos “conservadores”? Pode haver paz entre os dois ou é um cisma permanente? Já notei fanatismo dos dois lados, entre os “seculares” e “religiosos”.

ZINN: A esquerda precisa fazer uma distinção mais clara entre a intolerância do fundamentalismo e a tradição progressista na religião. Na América Latina, por exemplo, há a “teologia da libertação”. Nos EUA, há os padres e as freiras que apoiaram os negros no Sul e que protestaram contra a Guerra do Vietnã. Então não é sobre ser a favor ou contra a religião, mas decidir se a religião pode ter um papel de justiça e paz ao invés de violência e intolerância.

ALI: Muitos não sabem que você foi um bombardeiro durante a Segunda Grande Guerra. Essa experiência lhe trouxe algum tipo de epifania, catalisando mudanças fundamentais na sua ideologia?

ZINN: Eu não sabia muita história quando me tornei um bombardeiro na Força Aérea Americana na Segunda Grande Guerra. Só após a guerra vimos que, como os nazistas, havíamos cometido atrocidades. Hiroshima, Nagasaki, Dresden, minhas próprias missões de bombardeio. E quando estudei história depois da Guerra, aprendi de minhas próprias leituras, não das minhas aulas na universidade, sobre a história de expansão e militarismo dos EUA.

ALI: Você é um homem em seus anos dourados, e você olha para trás para suas muitas realizações. Você fez coisas impressionantes. Algum arrependimento? E também, se você pudesse escolher algo que fosse seu legado – o que seria?

ZINN: Não tenho arrependimentos sobre minhas atividades políticas, só que às vezes me empolguei demais e não encontrei o balanço apropriado entre as obrigações para com minha família e minha necessidade de estar envolvido com movimentos sociais. Quanto a alguma trabalho meu que corporifique meu “legado”, provavelmente não é um livro, mas a combinação de ser um escritor e um ativista, ser um intelectual público, usar minha instrução para a mudança social.

ALI: Muitos olham para horizontes futuros com olhos sem esperança, cínicos, prevendo cenário desastrosos resultando de nosso descuido e excesso. Recessão. Guerra. Déficit. Extremismo. Anti-americanismo global. Políticas partidárias insinceras. Iremos implodir? Podemos avançar? Você tem esperança para o futuro da América?

ZINN: A situação presente para os EUA parece ruim, mas sou esperançoso, à medida que vejo o povo norte-americano acordar e ser majoritariamente contra esta guerra e o governo Bush, à medida que reflito sobre os movimentos na história e como eles se ergueram surpreendentemente quando pareciam derrotados. Acredito que o povo americano tem a capacidade de criar um novo movimento, que poderá mudar a direção de nossa nação de um poder militar para uma nação pacífica, usando nossa riqueza enorme para necessidades humanas, aqui e no exterior.

quarta-feira, 11 de março de 2009

Howard Zinn - vídeo de “Marx in Soho” traduzido

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Além de historiador, Howard Zinn é dramaturgo, e já escreveu uma peça sobre Emma Goldman e outra sobre Marx, chamada Marx in Soho. Dessa última é extraído o seguinte trecho em vídeo, cuja tradução vai abaixo.




MARX: “Mas ela [Jenny, esposa de Marx] não era paciente com o que ela considerava as “pretensões da alta erudição”. “Desça à terra, Herr Doktor”, ela dizia. Ela queria que eu explicasse a teoria da mais-valia de modo que todos os trabalhadores pudessem entendê-la. Mas eu lhes diria que ninguém pode entender sem primeiro entender a teoria do valor-trabalho. E a força de trabalho é uma mercadoria especial cujo valor é determinado pelas causas e meios da sobrevivência e no entanto dá valor a todas as outras mercadorias, um valor que sempre excede o valor do valor da força de trabalho. Jenny disse “não”. [risos] “Assim não vai dar.” Ela me disse: “Tudo o que você tem que dizer é isto: ‘Seu empregador lhe paga o mínimo em salários - só o bastante para vocês sobreviverem e trabalharem. Mas do seu trabalho ele tira muito mais do que o que ele lhe paga, então ele fica mais e mais e mais rico, mas você fica pobre.’”

terça-feira, 10 de março de 2009

Howard Zinn – Algumas linhagens e influências (Marx e Nietzsche)

Howard Zinn – cuja autobiografia é o primeiro lançamento da L-Dopa Publicações – é um historiador e ativista conhecido por sua historiografia radical. Em linhas gerais, dentro dessa abordagem incentiva-se a denúncia da hipocrisia governamental, a necessidade de se intensificar a consciência das injustiças sofridas pela maioria da população, e o esforço para tirar as máscaras ideológicas que encobrem a violência e a opressão. Além disso, Zinn também tem como marca pessoal, bastante característica, a impressionante capacidade, sempre presente, de resgatar momentos de esperança no passado. Seu propósito, afinal, é avigorar os movimentos sociais no presente, dos quais sempre participou.

Parte dessa história radical pode ser traçada à linhagem marxista. “Para Zinn,” escreve Joe Auciello, “Marx desenvolveu uma crítica abrangente do capitalismo e da alienação que ainda é relevante e necessária para as lutas políticas e econômicas de hoje.” Basicamente, o marxismo propôs uma nova maneira de abordar a história, que seria compreendida a partir de sua base econômica. Isso permitiria entender o passado como muito mais do que um emaranhado de guerras, conflitos religiosos e confusões políticas de todo tipo. Ao contrário, a história passaria a entender as lutas materiais que, em última instância, a moldariam – um tipo de história crítica da ideologia e da alienação humana, temas caros a Howard Zinn. A história tradicional havia omitido (e continua omitindo) esse nexo entre o mundo material e o das representações. Para Marx e Engels:

“Isto faz com que a história deva sempre ser escrita de acordo com um critério situado fora dela. A produção da vida real aparece como algo separado da vida comum, como algo extra e supraterrestre. Com isto, a relação dos homens com a natureza é excluída da história, o que engendra a oposição entre natureza e história. Consequentemente, tal concepção apenas vê na história as ações políticas dos príncipes e do Estado, as lutas religiosas e as lutas teóricas em geral, e vê-se obrigada, especialmente, a compartilhar, em cada época histórica, a ilusão dessa época.”[i]

É a “ilusão dessa época”, essa ideologia, que Zinn se propõe a confrontar a partir de uma alavanca presente. Esse ponto de apoio no presente é justamente – para usar outra terminologia marxista – a alienação do ser humano. Zinn ressalta a importância desse conceito, referindo-se explicitamente aos Manuscritos Econômico-Filosóficos de 1844. “O estranhamento do homem descrito lá é pertinente não apenas para o proletariado clássico de seu tempo como para todas as classes na sociedade industrial moderna - e certamente para a geração de jovens nos Estados Unidos. Ele fala de homens produzindo coisas alienadas de si mesmos, que se tornam monstros independentes (olhe ao nosso redor, nossos carros, nossas televisões, nossos arranha-céus, mesmo nossas universidades).”[ii]

Ao mesmo tempo que existem essas afinidades do pensamento de Zinn com o de Marx, é importante salientar que dentro da linhagem desse último, há diversas posições que acreditam que o ponto de vista proletário de interpretação da história é a interpretação objetiva que existe (embora isso não seja totalmente um consenso). Zinn, por outro lado, parece tornar mais relativa essa interpretação através da responsabilidade pessoal e ética do historiador entendido como um indivíduo, e não porta-voz de uma classe.

Por fim, uma nota teatral. Howard Zinn é também dramaturgo, e é autor de uma peça sobre Marx chamada Marx in Soho (1999).

Howard Zinn e Nietzsche

À primeira vista é paradoxal imaginar uma ligação entre Zinn e Nietzsche, já que este último é tido como um pensador fundamentalmente de direita. Mas recentemente o filósofo alemão tem recebido leituras mais à esquerda, inclusive por parte de feministas. E, é claro, não é necessário concordar com tudo que um autor professa para fazer uso de algumas de suas idéias. Dito isso, pode-se constatar proximidades na maneira de entender a história radicalmente.

Nietzsche enfatiza a leitura do passado a partir do presente. A história para ele é algo que não pode acrescentar somente ao conhecimento, mas precisa se dirigir sobretudo à virtude (embora esse termo para o autor de Assim falou Zaratustra tenha uma conotação diferente). Ele escreve: “Todo grande homem exerce uma força retroativa: toda a história é novamente posta na balança por causa dele, e milhares de segredos do passado abandonam seus esconderijos – rumo ao sol dele. Não há como ver o que ainda se tornará história. Talvez o passado esteja ainda essencialmente por descobrir!”[iii]

Essa procura do vital na história é um eixo na historiografia de Zinn. É claro que isso pode dar margem à crítica da “falta de precisão” e de “desatenção aos pormenores”. Para Howard Zinn: “Nietzsche diria (como em seu Uso e Abuso da História) que nada importa mais do que a eficácia que dá vida, mas ele não associava isso com tolerância da inépcia. Mais importante, o que causou mais “mal” na Europa, desatenção ao “apuro” (quem era mais meticuloso que os historiadores europeus?) ou traição de suas sociedades por desatenção às tiranias que cresciam ao seu redor enquanto eles tratavam de seus ‘assuntos particulares’?”[iv] A obra escrita e vivida de Zinn é testemunha da resposta que ele daria.

Leia mais:

Vídeo de trecho de Marx in Soho – [em inglês]

Notas de fim


[i] MARX, K.; ENGELS, F. A Ideologia Alemã. Ed. Hucitec, 1999, p. 57.

[ii] ZINN, Howard. Howard Zinn on History. Seven Stories Press, 2001, p. 87.

[iii] NIETZSCHE, Friedrich. A Gaia Ciência. Companhia das Letras, 2007, p. 81.

[iv] ZINN, Howard. The Politics of History: With a New Introduction. University of Illinois Press, 1990, p. 308.


Autoria : Nils.

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domingo, 1 de março de 2009

Entrevista de 2008

Entrevista realizada em Outubro de 2008

Boulder Weekly: Você sempre comenta que procura omissões na história. O que você acha que está sendo deixado de fora da nossa atual situação histórica?

Howard Zinn: O que está sendo deixado de lado do discurso ou da discussão de que as pessoas estão falando, do que a imprensa está falando hoje em dia – o que está sendo deixado de lado é a história dos abonos do governo, a história do apoio do governo para as corporações e os ricos. Então se você não tem a história, você provavelmente vai pensar ‘Ah isso é algo novo. Isso é um desvio da maneira como os Estados Unidos sempre foram.’ Não é um desvio. É uma continuação de algo que começou há muito tempo e tem prosseguido por toda a história americana.

E o que tem acontecido por toda a história americana pode ser trilhado até a Constituição e a Revolução Americana. E o fato de que a Constituição estabeleceu um governo central forte, e um de seus importantes propósitos era bonificar os fiadores da Revolução porque as letras do Tesouro que eles tinham – como resultado de emprestar dinheiro para o Exército Continental, para o Congresso Continental durante a Revolução – essas letras não tinham realmente valor algum. Mas o novo governo federal foi capaz de resgatar essas letras completamente, e dar aos fiadores o valor integral. E a maneira como eles juntaram dinheiro para fazer isso foi taxando o resto da população, taxando os americanos comuns, que é exatamente o que está acontecendo hoje – abonando essas instituições financeiras fracassadas e planejando pagar por isso com um peso enorme nas costas do americano médio.

Se você começar com a Revolução Americana e traçar um arco de lá até o dia atual, você verá vários pontos onde aconteceu exatamente a mesma coisa, onde o governo desempenhou seu papel de usar seu poder e recursos para apoiar as classes ricas. No caso da Constituição, eles usaram o poder do governo central para apoiar os escravocratas ao assegurarem que seus escravos fugitivos seriam levados de volta conseguindo sustentar um exército forte o suficiente para suprimir rebeliões de fazendeiros, o que de fato tiveram que fazer desde o começo de 1790, quando houve a chamada Whiskey Rebellion na Pensilvânia. Foi aí que os fazendeiros se rebelaram contra as taxas que tinham que pagar e a Constituição criou um governo forte o suficiente para apoiar os expansionistas – as pessoas que vão ocupar o território indígena e que enfrentariam resistência indígena, e que precisariam das forças armadas do governo nacional para lidar com esses indígenas.

E aí você segue o arco até o século XIX, até as enormes benesses de terra gratuita para as ferrovias em 1850 e 1860, até as altas tarifas que o governo colocou em bens importados para ajudar os fabricantes, o que por sua vez elevou os preços das mercadorias para os consumidores americanos. Entre no século XX e veja novamente o governo ajudando as corporações. A Suprema Corte diversas vezes declarou inconstitucional qualquer auxílio aos pobres, declarou inconstitucionais salários mínimos e horas máximas de trabalho. Não foi senão até 1930 que vimos nesse país uma revolta, um país em revolta com greves gerais por todo o país – só então o governo passou legislação em favor dos pobres e das classes médias. Isso foi uma aberração, porque depois da Segunda Grande Guerra, o governo voltou – eu não devia nem dizer depois da Guerra. Durante a Guerra, o governo forneceu enormes contratos de guerra para corporações que lucraram com o conflito. Depois da guerra, quando a indústria aeronáutica estava aos pedaços, o governo subsidiou essa indústria. E sabemos das empresas de petróleo e como o governo, pela permissão de esgotamento do petróleo e por impostos especiais favorece as corporações de petróleo, tem mantido-as funcionando.

Então numa longa resposta à sua pergunta – você não vai conseguir respostas curtas de mim, não! – numa longa resposta à sua pergunta, o que está sendo esquecido no presente discurso sobre o colapso de Wall Street é uma história que mostra que isso é parte de um longo padrão de aliança entre o governo e grandes corporações em detrimento do americano médio.

Boulder: Considerando essa continuação, qual você acha que é o melhor meio para mudanças?

Zinn: Bem, precisamos é claro de uma mudança – uma mudança muito drástica em política governamental. Essa mudança, acredito, deve consistir de, ao invés de subsidiar essas enormes corporações, deixá-las ir a pique. Ao invés de dar um trilhão de dólares para corporações na esperança de que, ao mantê-las boiando, o dinheiro irá eventualmente ir para os que pagam hipoteca e pessoas comuns… ao invés disso, pegue o dinheiro que iria subsidiar essas corporações e use o dinheiro para ajudar as vítimas do sistema financeiro. Use esse dinheiro para pagar as hipotecas das pessoas que estão com dificuldades. Use esse dinheiro para garantir empregos para as pessoas que irão perder seu emprego quando as corporações diminuírem. Use esse dinheiro para criar saúde universal para todo mundo.

Em outras palavras, vão ao coração do assunto. O coração do assunto quando você tem um colapso econômico – e foi isso que aconteceu em 1929 – é que o dinheiro do país tem ido para os super-ricos, e o poder de compra da pessoa comum tem declinado. Essa distância aumenta, e à medida que aumenta, torna-se uma bolha que se estica mais e mais fina e que estoura. A raíz disso é que as pessoas são privadas da riqueza da nação. Portanto, o que a riqueza deve fazer para quaisquer que sejam as necessidades das pessoas está na saúde, educação, empregos…

Desvie das corporações e nacionalize as indústrias que sejam úteis. A maioria dessas corporações não são úteis. São instituições financeiras que compram e vendem papéis e não produzem nada de importante. Mas onde as corporações produzem algo importante, bem, elas devem ter impostos pesados.

Na administração Bush, as 400 pessoas mais ricas dos Estados Unidos ganharam algo como 600 bilhões de dólares durante os anos Bush só via redução de impostos. Isso é absurdo. Precisamos mudar a estrutura de impostos. Agora, Obama tem dito que ele irá aumentar os impostos para os ricos e retirar os impostos para a maioria da população. Isso é um passo na direção certa, embora ele tenha que fazer mais do que isso, ser mais ousado do que isso em suas propostas de taxação, porque nós precisamos de uma redistribuição realmente fundamental da riqueza neste país, e uma garantia dos tipos de coisas de que as pessoas necessitam para sobreviver.

Boulder: Em acréscimo a isso, quais são os fatores-chave para os eleitores nesta eleição?

Zinn: Creio que os eleitores devem votar em Obama, não porque ele vai até onde é preciso ir, mas porque com McCain – ele está preso na filosofia Bush. Com Obama há um tipo de brilho de possibilidade. Nosso grande trabalho não é apenas votar para o Obama para que haja uma possibilidade, mas transformar essa possibilidade em realidade ao criar um movimento social neste país no qual Obama terá que prestar atenção – porque, em última instância, isso é o que traz mudanças. O presidente ou o Congresso nunca começaram mudanças importantes. Não, o que é necessário é um movimento social como os movimentos trabalhistas de 1930, o movimento negro, o movimento contra a guerra, os movimentos das mulheres em 1960, que irão balançar Obama e seus gabinetes conservadores e levá-los a direções mais ousadas, assim como os agitadores dos 30 levaram Roosevelt a direções mais ousadas.

Boulder: Você foi testemunha de tanto movimentos históricos e sociais americanos. De que maneira o atual clima se compara com o de movimentos sociais do passado?

Zinn: Creio que é diferente no sentido de que o controle da mídia é maior e mais ameaçador hoje do que era em 1960, mas a mídia sempre esteve do lado do establishment. Há coisas hoje que tornam mais difíceis do que em outros movimentos sociais, mas por outro lado, os elementos estão aí para um novo movimento social. Os movimentos estão aí, quero dizer crescendo, crescendo a insatisfação no país – ainda não organizados, mas aí. É um reservatório de raiva, de indignação contra a guerra, contra a administração Bush, contra o sistema econômico. Então há esse reservatório de energia e raiva que ainda não se organizou nem se tornou uma força que pode trazer mudanças. Mas o potencial está aí.

Nesse sentido, nós nos parecemos com outros tempos antes de que os movimentos fossem efetivos – quando eles estavam apenas crescendo, quando estavam apenas se desenvolvendo. O movimento anti-escravidão teve que se desenvolver por 30 anos. O movimento contra a guerra no Vietnã teve que se desenvolver por quatro ou cinco anos. O movimento pelos direitos civis teve que se desenvolver por décadas e décadas. Então, estamos num estágio de desenvolvimento. Você não pode simplesmente olhar para onde estamos agora e dizer ‘Bem, nós não estamos fazendo nada, somos incapazes, somos um fracasso.’ Não, nós estamos numa situação mutável dinamicamente todo dia, e a consciência das pessoas é capaz de crescer dia a dia à medida que olham ao redor e percebem como o presente sistema é desastroso – o sistema de guerras e o sistema de estados nações. Eu acho que há possibilidade e esperança.

Há tanto que se passa neste país que não é relatado… É importante saber que há tanto que está sendo omitido. É tão importante para as pessoas, se não estão prestes a desesperar, que, ao invés de assistir televisão, vão à biblioteca e leiam a história dos movimentos sociais passados e como as pessoas se desesperaram nesses movimentos sociais passados, mas como elas persistiram e persistiram e algo aconteceu.

Boulder: Qual o papel da mídia em manipular o retratar factualmente a percepção das pessoas da verdade?

Zinn: O problema da mídia é que a cobertura é tão superficial. Eles dependem dos eruditos e dos experts e do povo no Congresso, e você não vê a mídia falando sobre as coisas fundamentais. Você não vê a mídia questionando os princípios básicos subjacentes ao que acabou de acontecer. Essa falsa idéia do mercado livre, da economia de mercado, da livre empresa, da empresa privada, todos esses slogans falsos que têm sido colocados nos ouvidos das pessoas.

Ah, a idéia de que ‘Não devemos ter um governo grande!’ que lembro que Clinton falou também. Porque os democratas têm sido cúmplices do republicanos em usar o governo para o benefício dos ricos. Bill Clinton disse ‘Ah, o governo não deve ajudar as pessoas!’ [risadas] e então ele assinou a lei que acabava com a medida do New Deal e ajuda federal para pessoas com crianças dependentes. Então a mídia não tem feito seu trabalho em desafiar as coisas fundamentais e nos dar a história de que precisamos, a perspectiva que precisamos que nos diria que o que é necessário agora não é algum tipo de reforma leve, mas uma reestruturação fundamental da nossa sociedade.

Esta tradução por Nils

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