terça-feira, 10 de março de 2009

Howard Zinn – Algumas linhagens e influências (Marx e Nietzsche)

Howard Zinn – cuja autobiografia é o primeiro lançamento da L-Dopa Publicações – é um historiador e ativista conhecido por sua historiografia radical. Em linhas gerais, dentro dessa abordagem incentiva-se a denúncia da hipocrisia governamental, a necessidade de se intensificar a consciência das injustiças sofridas pela maioria da população, e o esforço para tirar as máscaras ideológicas que encobrem a violência e a opressão. Além disso, Zinn também tem como marca pessoal, bastante característica, a impressionante capacidade, sempre presente, de resgatar momentos de esperança no passado. Seu propósito, afinal, é avigorar os movimentos sociais no presente, dos quais sempre participou.

Parte dessa história radical pode ser traçada à linhagem marxista. “Para Zinn,” escreve Joe Auciello, “Marx desenvolveu uma crítica abrangente do capitalismo e da alienação que ainda é relevante e necessária para as lutas políticas e econômicas de hoje.” Basicamente, o marxismo propôs uma nova maneira de abordar a história, que seria compreendida a partir de sua base econômica. Isso permitiria entender o passado como muito mais do que um emaranhado de guerras, conflitos religiosos e confusões políticas de todo tipo. Ao contrário, a história passaria a entender as lutas materiais que, em última instância, a moldariam – um tipo de história crítica da ideologia e da alienação humana, temas caros a Howard Zinn. A história tradicional havia omitido (e continua omitindo) esse nexo entre o mundo material e o das representações. Para Marx e Engels:

“Isto faz com que a história deva sempre ser escrita de acordo com um critério situado fora dela. A produção da vida real aparece como algo separado da vida comum, como algo extra e supraterrestre. Com isto, a relação dos homens com a natureza é excluída da história, o que engendra a oposição entre natureza e história. Consequentemente, tal concepção apenas vê na história as ações políticas dos príncipes e do Estado, as lutas religiosas e as lutas teóricas em geral, e vê-se obrigada, especialmente, a compartilhar, em cada época histórica, a ilusão dessa época.”[i]

É a “ilusão dessa época”, essa ideologia, que Zinn se propõe a confrontar a partir de uma alavanca presente. Esse ponto de apoio no presente é justamente – para usar outra terminologia marxista – a alienação do ser humano. Zinn ressalta a importância desse conceito, referindo-se explicitamente aos Manuscritos Econômico-Filosóficos de 1844. “O estranhamento do homem descrito lá é pertinente não apenas para o proletariado clássico de seu tempo como para todas as classes na sociedade industrial moderna - e certamente para a geração de jovens nos Estados Unidos. Ele fala de homens produzindo coisas alienadas de si mesmos, que se tornam monstros independentes (olhe ao nosso redor, nossos carros, nossas televisões, nossos arranha-céus, mesmo nossas universidades).”[ii]

Ao mesmo tempo que existem essas afinidades do pensamento de Zinn com o de Marx, é importante salientar que dentro da linhagem desse último, há diversas posições que acreditam que o ponto de vista proletário de interpretação da história é a interpretação objetiva que existe (embora isso não seja totalmente um consenso). Zinn, por outro lado, parece tornar mais relativa essa interpretação através da responsabilidade pessoal e ética do historiador entendido como um indivíduo, e não porta-voz de uma classe.

Por fim, uma nota teatral. Howard Zinn é também dramaturgo, e é autor de uma peça sobre Marx chamada Marx in Soho (1999).

Howard Zinn e Nietzsche

À primeira vista é paradoxal imaginar uma ligação entre Zinn e Nietzsche, já que este último é tido como um pensador fundamentalmente de direita. Mas recentemente o filósofo alemão tem recebido leituras mais à esquerda, inclusive por parte de feministas. E, é claro, não é necessário concordar com tudo que um autor professa para fazer uso de algumas de suas idéias. Dito isso, pode-se constatar proximidades na maneira de entender a história radicalmente.

Nietzsche enfatiza a leitura do passado a partir do presente. A história para ele é algo que não pode acrescentar somente ao conhecimento, mas precisa se dirigir sobretudo à virtude (embora esse termo para o autor de Assim falou Zaratustra tenha uma conotação diferente). Ele escreve: “Todo grande homem exerce uma força retroativa: toda a história é novamente posta na balança por causa dele, e milhares de segredos do passado abandonam seus esconderijos – rumo ao sol dele. Não há como ver o que ainda se tornará história. Talvez o passado esteja ainda essencialmente por descobrir!”[iii]

Essa procura do vital na história é um eixo na historiografia de Zinn. É claro que isso pode dar margem à crítica da “falta de precisão” e de “desatenção aos pormenores”. Para Howard Zinn: “Nietzsche diria (como em seu Uso e Abuso da História) que nada importa mais do que a eficácia que dá vida, mas ele não associava isso com tolerância da inépcia. Mais importante, o que causou mais “mal” na Europa, desatenção ao “apuro” (quem era mais meticuloso que os historiadores europeus?) ou traição de suas sociedades por desatenção às tiranias que cresciam ao seu redor enquanto eles tratavam de seus ‘assuntos particulares’?”[iv] A obra escrita e vivida de Zinn é testemunha da resposta que ele daria.

Leia mais:

Vídeo de trecho de Marx in Soho – [em inglês]

Notas de fim


[i] MARX, K.; ENGELS, F. A Ideologia Alemã. Ed. Hucitec, 1999, p. 57.

[ii] ZINN, Howard. Howard Zinn on History. Seven Stories Press, 2001, p. 87.

[iii] NIETZSCHE, Friedrich. A Gaia Ciência. Companhia das Letras, 2007, p. 81.

[iv] ZINN, Howard. The Politics of History: With a New Introduction. University of Illinois Press, 1990, p. 308.


Autoria : Nils.

fonte clique aqui.

Nenhum comentário: